Estamos tão acostumados com paisagens urbanas e grandes plantações e pastos que parece lenda dizer que uma floresta exuberante ocupava grandes espaços no litoral, serras e interior do Brasil. Mais fantástico ainda é saber que, apesar de fragmentada e praticamente restrita a lugares inacessíveis(como as serras), a Mata Atlântica ainda abriga uma das maiores biodiversidades do mundo e influencia a vida da maioria dos brasileiros, mesmo sem que estes a conheçam ou percebam o seu devido valor.
A Mata Atlântica exerce um enorme fascínio àqueles que percorrem o seu interior. Impossível não ficar maravilhado com a diversidade de formas e cores das suas plantas, com os seus odores e sons variados, com os pequenos córregos e as cachoeiras. Poucos lugares na Terra abrigam tantas formas de vida: são milhares de espécies de animais, plantas e microorganismos, muitas delas ainda nem descritas pela ciência. Por toda esta biodiversidade, a Mata Atlântica foi declarada pela Unesco como Reserva da Biosfera, um Patrimônio da Humanidade.
No seu sentido mais amplo, a Mata Atlântica é um bioma com várias formações vegatais. Antes da colonização, abrangia cerca de 15 % do território brasileiro, ocorrendo ao longo da costa, do Rio Grande do Norte ao Rio Grande do Sul, e estendendo-se por centenas de quilômetros continente adentro, nas regiões Sul e Sudeste, chegando à Argentina e ao Paraguai.
A origem da Mata Atlântica está associada à separação dos continentes americano e africano( eles formavam um único continente chamado Gondwana), iniciada há mais de 100 milhões de anos, quando, devido a processos geológicos, surgiu a cadeia de montanhas que formam.
As cadeias montanhosas constituíram uma barreira para os ventos carregados de umidade que vinham do oceano. Sob a forma de névoa ou chuva, a umidade ajudou a criar as condições necessárias para as formações vegetais, que originaram parte da Mata Atlântica, instalarem-se
A atual grande biodiversidade da Mata Atlântica formou-se ao longo de dezenas de milhões de anos atrás, sendo que o evento dos refúgios pode ter contribuído para aumentar essa biodiversidade. Segundo a teoria dos refúgios, durante o período entre 2 a 4 milhões de anos atrás, o globo começou a sofrer prolongadas estações de frio (eras glaciais), quando a Mata Atlântica encolhia e, consequentemente, isolava-se de outras floresta, para depois se expandir nos intervalos de calor. Nesses sucessivos isolamentos, a fauna existente na época teria se refugiado nos fragmmentos remanescentes(chamados de refúgios). Assim, a mesma espécie teria ficado dividida em diversos refúgios separados por barreiras ecológicas, sendo submetidas a diferentes condições de sobrevivência. Cada uma delas teria sofrido especiação (mecanismo evolutivo que leva à formação de espécies). Quando as condições climáticas voltaram a ser as mesmas, as barreiras ecológicas desapareceram, as matas uniram-se novamente e as espécies, separadas ppor longos períodos, voltaram a conviver. No entanto, em muitos casos, a especiação havia sido tanta que a mesma espécie original já não tinha mais compatibilidade suficiente para que ocorressem cruzamentos.
“A Mata Atlântica está intimamente ligada à água. Quando a chuva cai na mata, as folhas diminuem a intensidade com que a água chega ao solo, prevenindo a erosão e protegendo plantas muito jovens. A água atinge a camada de folhas mortas do chão e, ao umedecê-la, acelera o processo de decomposição. Infiltra-se, então, pelo solo, alimentando o lençol freático até aflorar na superfície, através dos “olhos dágua” ou nascentes. Ao pecorrer este caminho vertical, a água vai sendo enriquecida com sais minerais e substâncias orgânicas que serão incorporadas ao solo. Essencial para a hidratação das células e fotossíntese, a água no solo é então absorvida pelas raízes.
Além de milhares de pequenos rios perenes, constantemente alimentados pela água da chuva, que afloram nos seus remanescentes, a região da Mata Atlântica é cortada por rios grandes como o Paraná, o Tietê, o São Francisco, o Doce,o Paraíba do Sul, o Paranapanema e o Ribeira de Iguape, importantíssimos na manutenção do clima, na agricultura, na pecuária e em todo o processo de urbanização do País . Diversos rios que abastecem as cidades e metrópoles brasileiras nascem na Mata Atlântica, beneficiando mais de 100 milhões de pessoas.
Em alguns locais, onde predominam as rochas calcárias, os rios e a água infiltrada no solo contribuem para a formação de cavernas, podendo originar grandes complexos cavernícolas, como é o caso da região do Vale do Ribeira no Estado de São Paulo.
Sem as florestas, a água perde a sua proteção, as nascentes secam, os rios são assoreados, ocorre a erosão e perda de fertilidade do solo, mundanças no clima local e a redução da biodiversidade.
Os números da riqueza natural da Mata Atlântica impressionam: 50% das espécies de árvores são endêmicas, ou seja, não são encontradas em outro lugar do mundo. Este fenômeno chega a 70% no caso de espécies como as orquídeas e bromélias.
Estudos desenvolvidos por pesquisadores identificaram a ocorrência de 454 espécies de árvores numa área de um hectare localizado no sul da Bahia. Esta descoberta supera o recorde anterior registrado em 1986 na Amazônia Peruana, que incluia 300 espécies por hectare, e revela que a Mata Atlântica pode possuir a maior diversidade de árvores do mundo.
Dentro da grande variedade de fauna existente na Mata Atlântica, algumas espécies possuem ampla distribuição, podendo ser encontradas em outras regiões, como nos casos da onça pintada, dos gatos-do-mato, da anta, da queixada, de alguns papagaios, corujas, gaviões e outros. No entanto, existe uma enorme quantidade de espécies endêmicas. São os casos das cerca de 73 espécies de mamíferos e das 181 espécies de aves. Entre os anfíbios o número é ainda mais surpreendente, das 280 espécies catalogadas, 253 são consideradas endêmicas. Infelizmente, vários estudos já revelaram que a destruição da floresta está provocando o desaparecimento de muitas espécies, algumas que nem chegaram a ser conhecidas pela ciência.
A diversidade não se limita às espécies de flora e fauna. A Mata Atlântica também abriga um grande patrimônio étnico, cultural, histórico, arqueológico, arquitetônico, construído ao longo de séculos pelas comunidades tradicionais que viviam e vivem na floresta como os indígenas, os caiçaras, os quilombolas e os caboclos.
Esses povos da floresta podem ensinar muito sobre os usos que a enorme biodiversidade pode oferecer para a humanidade. Hoje, 40% dos medicamentos, destinados a um mercado consumidor mundial, são sintetizados ou produzidos a partir de espécies naturais. Portanto, conservar a biodiversidade e respeitar os direitos e os conhecimentos adquiridos dos primeiros grupos culturais do país é, no mínimo, extremamente estratégico no mercado globalizado atual.
“O resultado de todo esse histórico de destruição é uma fragmentação cada vez maior da Mata Atlântica e a consequentemente redução da sua biodiversidade, seja pela perda de áreas significativas que abriguem populações saudáveis das várias espécies, seja pela diminuição das trocas genéticas. Hoje, a Mata Atlântica está em péssima posição de destaque, como um dos conjuntos de ecossistemas mais ameaçados de extinção do mundo . Os principais fatores de degradação e pressão são o veloz processo de industrialização e consequente urbanização desordenada, com as principais cidades brasileiras ocorrendo nas áreas que originalmente eram de Mata Atlântica, e o consumo insustentável dos recursos naturais.
Um dos grandes desafios atuais para a conservação da Mata Atlântica é reverter o processo de diminuição da sua cobertura florestal e garantir a proteção, a recuperação e, especialmente, o uso sustentável dos seus recursos naturais. O desenvolvimento sustentável tem sido apontado como a melhor forma de garantir a proteção da diversidade biológica, a qualidade ambiental e o desenvolvimento social, em bases que assegurem a importância das comunidades tradicionais e locais.
Um exemplo de manejo sustentável é o cacau. Cultivado há milhares de anos pelos astecas, do México, e os incas, do Peru, o cacau é uma árvore encontrada em estado silvestre na floresta tropical, nas bacias do Orinoco e do Amazonas. O cacau começou a ser cultivado, no Brasil, com sementes provenientes do Pará, em 1746. A produção cresceu ano a ano, chegando a números exponenciais no início do século XX, quando o cacau implantou-se no sul da Bahia até o vale do Rio Doce, no Espírito Santo, em terras de Mata Atlântica, onde continua até hoje. Ao contrário das práticas predatórias historicamente utilizadas no Brasil, o cultivo do cacau foi introduzido pelo sistema das cabrucas, que é o plantio feito em áreas sombreadas, o que proporcionou a manutenção das árvores maiores e mais antigas da mata.
Para se chegar ao desenvolvimento sustentável, é necessário a participação de toda a sociedade, que deve perceber a importância da Mata Atlântica e cobrar ações mais efetivas dos Governos Federal, Estauduais e Municipais, do Legislativo e do Judiciário e também auxiliar no desenvolvimento de projetos para a recuperação ambiental, social e econômica que gerem alternativas de desenvolvimento compatíveis com a manutenção e a conservação da Mata Atlântica.
A conservação da Mata Atlântica também depende de um esforço individual de todos para a mudança de atitudes no dia-a-dia e no padrão de consumo desenfreado, que leva ao esgotamento dos recursos naturais. Todos podem colaborar escolhendo produtos que tiveram menor impacto ao serem produzidos, como alimentos orgânicos, madeira certificada ou de reflorestamento, entre outros, auxiliando em projetos de reciclagem, não comprando animais silvestres, palmitos, orquídeas e bromélias na beira de estradas e cuidando do meio ambiente do seu bairro e da sua cidade. Hoje, existem mecanismos de políticas públicas que podem ajudar na conservação do meio ambiente, como o plano diretor municipal participativo, no qual a população pode e deve influenciar na ampliação de áreas verdes.
Mesmo reduzida e muito fragmentada, a Mata Atlântica possui uma importância enorme, pois exerce influência direta na vida de mais de 80% da população brasileira distribuída em seu domínio. Ela regula o fluxo dos mananciais hídricos, assegura a fertilidade do solo, controla o clima e protege da erosão escarpas e encostas das serras, além de abrigar patrimônio histórico e cultural e conter espécies que podem ser usadas em produtos farmacêuticos, alimentícios ou para outros usos. Por outro lado, a região da Mata Atlântica abriga belíssimas paisagens, de valor cênico imensurável, cuja proteção é indispensável ao desenvolvimento do ecoturismo.”